Sempre que ocorre uma mudança cultural profunda, quer seja a nível local, nacional ou global, os comportamentos e as atitudes no local de trabalho também mudam. Não é, portanto, surpresa que a pandemia de COVID-19, aliada aos rápidos avanços na tecnologia e à expansão daquilo que é considerado o local de trabalho, tenha transformado as perceções e as atitudes dos trabalhadores relativamente às respetivas organizações e àquilo que esperam das mesmas.
À medida que os colaboradores regressam ao escritório, ou se ajustam a novos espaços, com perspetivas alteradas e variadas, é fundamental que os líderes se adaptem a estas alterações através da implementação de práticas de gestão diversificadas e inclusivas. Afinal de contas, os líderes são responsáveis por assegurar que todas as pessoas se sentem vistas, ouvidas e apoiadas dentro da organização. Para gerir eficazmente as diferentes perspetivas no local de trabalho, os líderes têm de estabelecer uma cultura organizacional positiva e inclusiva, que é crucial para o bem-estar holístico dos colaboradores e a eficiência da organização.
O que é a cultura organizacional?
O nível de sucesso das organizações corresponde à robustez das respetivas culturas no local de trabalho. As culturas organizacionais podem ser definidas como a forma única como os membros de uma organização se relacionam entre si, com a organização e com as funções que desempenham na mesma, assim como com o ambiente externo. Influenciam a perceção que os colaboradores têm da respetiva organização, como se comportam na mesma e como a organização atua em resultado disso. Quando há uma cultura bem-desenvolvida, esta nutre uma atitude positiva entre os colaboradores e maximiza a respetiva motivação, o que, por sua vez, ajuda a organização a operar eficientemente e a alcançar os seus objetivos.1
Porque é que a cultura organizacional é importante?
À medida que as organizações se encontram em competição num mercado cada vez mais globalizado, muitas reconhecem os benefícios de cultivar um local de trabalho diversificado, os quais incluem: maior adaptabilidade, maior criatividade e inovação, melhores competências de tomada de decisões e resolução de problemas, e uma utilização otimizada dos recursos.2 Quando gerida, a diversidade é sempre um ativo para uma organização, uma vez que espelha o mundo que a organização pretende servir.
Contudo, um local de trabalho diversificado acarreta riscos de falhas de comunicação, conflito e alienação, todos eles sinais de uma fraca cultura no local de trabalho. Estas complicações prejudicam não só o bem-estar dos colaboradores, como também a eficácia dos líderes, que não podem levar a cabo estratégias eficazes sem o apoio total dos membros da respetiva organização. O cultivo de uma cultura forte no local de trabalho mitiga estes problemas, pois estabelece um equilíbrio entre o modo como os líderes pretendem gerir uma organização e o modo como os colaboradores pretendem ser envolvidos e tratados na mesma.
Como melhorar a cultura no local de trabalho
Os problemas que surgem num local de trabalho diversificado decorrem de diferenças nos valores: convicções, perspetivas, expetativas e desejos enraizados que diminuem inerentemente a confiança e a coesão quando entram em conflito. Geert Hofstede, um psicólogo social neerlandês, pesquisou tendências nos valores entre géneros, idades, classes, etnias, religiões e nacionalidades para determinar seis dimensões que acreditava comporem os “programas mentais” dos indivíduos e que generalizou como culturas nacionais.3 Embora tenha reconhecido que as culturas nacionais são resistentes à mudança, Hofstede concluiu que a forma mais eficaz de as alterar e gerir passa por promover, em primeiro lugar, uma alteração nos comportamentos.4 Para tal, estabeleceu seis dimensões da cultura organizacional que os colaboradores podem utilizar para desenvolver práticas partilhadas de colaboração no local de trabalho.
Considere uma situação na qual os membros de uma organização esperam que o empregador dê prioridade à ética e não ao sucesso. Embora esta expetativa seja uma questão de cultura nacional que não pode ser alterada por uma organização, os líderes têm a capacidade de trabalhar com os colaboradores para determinar como melhor avançar utilizando as dimensões da cultura organizacional de Hofstede. Adicionalmente, os líderes podem utilizar as dimensões da cultura nacional de Hofstede para obter uma melhor compreensão dos valores dos respetivos colaboradores e moldar proativamente a cultura organizacional em torno dos mesmos.
Compreender as seis dimensões da cultura nacional de Hofstede (valores dos colaboradores)
A robustez da cultura organizacional depende do seu alinhamento com os valores de todos os seus membros. Os estudos têm demonstrado que uma cultura forte no local de trabalho tem um impacto profundo no bem-estar mental dos colaboradores. Num inquérito realizado pela Deloitte, 84% dos colaboradores responderam que se sentiam felizes no trabalho quando a respetiva organização tinha uma cultura distinta no local de trabalho. 86% também afirmaram que se sentiam valorizados pela organização na qual trabalhavam.6 Para criar uma cultura favorável, os líderes podem utilizar as seguintes dimensões da cultura nacional para determinar aquilo que os respetivos colaboradores valorizam no local de trabalho.7
- Índice de Distância do Poder (PDI): trata-se do grau de desigualdade que os membros de um determinado grupo ou sociedade aceitam como normal ou justificado. Numa cultura com uma grande distância do poder, o poder é distribuído de forma extremamente desigual numa estrutura hierárquica, variando entre os poderosos e aqueles que não têm nenhum poder. Numa cultura com uma curta distância do poder, este é distribuído de forma uniforme.
- Individualismo vs. Coletivismo (IDV): esta dimensão considera se os membros de um grupo pensam em si próprios no singular (“eu”) ou no plural (“nós”). O individualismo é a preferência por uma cultura na qual os membros agem como indivíduos e cuidam apenas de si próprios. Por seu lado, o coletivismo é a preferência pelo funcionamento como um grupo, no qual os membros cuidam uns dos outros e valorizam a lealdade.
- Masculinidade vs. Feminilidade (MAS): trata-se do grau no qual os valores “masculinos”, tais como a competição, a assertividade e o sucesso, são preferidos face aos valores “femininos”, tais como a qualidade de vida, o serviço e a solidariedade. Nas culturas masculinas, o trabalho é feroz e o sucesso é medido pelas conquistas individuais, pela riqueza monetária e pelas recompensas materiais. Nas culturas femininas, a modéstia e a cooperação são valorizadas face à determinação para triunfar e o sucesso é medido pelo bem-estar e pelo crescimento holístico.
- Índice de Aversão à Incerteza (UAI): trata-se do grau de incerteza tolerado e esperado pelos membros de um grupo. Nas culturas com uma forte aversão à incerteza, os membros esperam regras rígidas, expetativas e direções claras, e códigos de conduta rigorosos. Nas culturas com uma fraca aversão à incerteza, os membros valorizam a curiosidade, a espontaneidade e a flexibilidade.
- Orientação a Longo Prazo vs. Curto Prazo (LTO): esta dimensão mede a extensão na qual os valores de uma determinada cultura estão orientados para o futuro ou para o passado. As culturas com uma orientação a longo prazo são adaptáveis e aceitam prontamente a mudança, enquanto as culturas com uma orientação a curto prazo preferem respeitar e honrar as tradições e encaram a mudança com apreensão.
- Indulgência vs. Restrição (IVR): trata-se do grau de valorização da exploração e da gratificação de necessidades e desejos humanos individuais em detrimento da satisfação de normas e expetativas sociais. As culturas indulgentes aceitam a vontade de “aproveitar a vida”, enquanto as culturas restringidas preferem suprimir e negar os prazeres individuais para dar prioridade às responsabilidades comuns.
Compreender as seis dimensões da cultura organizacional de Hofstede (práticas no local de trabalho)
A pesquisa de Hofstede concluiu que os colaboradores com valores e perspetivas diferentes conseguiam trabalhar juntos de forma harmoniosa apesar dessas diferenças quando unidos por práticas partilhadas no local de trabalho. A seguir encontram-se as seis dimensões que Hofstede acreditava serem essenciais para a estruturação de uma cultura organizacional forte e distinta.8
- Orientado por processos vs. Orientado por resultados: utilizando as dimensões da Masculinidade vs. Feminilidade, do Índice de Aversão à Incerteza e da Indulgência vs. Restrição explicadas acima, os líderes podem examinar se a respetiva cultura no local de trabalho deve dar prioridade à forma como a organização alcança os seus objetivos ou focar-se em quais são exatamente esses objetivos. Os membros que apresentam uma forte aversão à incerteza preferem os valores “femininos” e a restrição e apreciarão uma cultura de trabalho que dá maior ênfase à forma como os membros se comportam em vez daquilo que concretizam. Os membros com os valores opostos prosperam numa cultura de trabalho orientada para os resultados.
- Orientado para o colaborador vs. Orientado para o trabalho: os empregadores podem considerar se os membros da respetiva organização se encaixam nas dimensões da Masculinidade vs. Feminilidade e da Indulgência vs. Restrição para determinar se estes beneficiariam de uma cultura no local de trabalho que defende uma maior preocupação com os respetivos membros ou em “fazer o trabalho”. Os trabalhadores que valorizam a qualidade de vida e a indulgência prosperam numa cultura que demonstra uma maior preocupação com o seu bem-estar em vez de com o seu desempenho.
- Provinciano vs. Profissional: também denominada “local vs. cosmopolita” por Hofstede, esta dimensão refere-se à questão de os colaboradores basearem a sua identidade na respetiva organização ou na profissão. Os trabalhadores que esperam lealdade e uma ligação próxima com os respetivos líderes irão preferir um ambiente provinciano, enquanto aqueles que se preocupam mais com o seu trabalho do que para quem trabalham prosperam num ambiente profissional. Os líderes podem consultar as dimensões do Índice de Distância do Poder e do Individualismo vs. Coletivismo para moldar a respetiva cultura de trabalho em conformidade.
- Sistema aberto vs. Sistema fechado: para estabelecer uma cultura no local de trabalho aberta ou fechada, os líderes devem considerar a extensão na qual os respetivos empregados se consideram individualistas ou coletivistas e o grau de tolerância à incerteza dos mesmos. Os trabalhadores que valorizam a lealdade da sua organização e que têm aversão à incerteza são apreensivos face a novos elementos, assim como a elementos externos, e beneficiam de um sistema fechado.
- Controlo flexível vs. rígido: dependendo de os colaboradores apresentarem uma forte ou uma fraca aversão à incerteza e valorizarem a indulgência ou a restrição, os líderes podem estabelecer uma cultura no local de trabalho que adira a regras rigorosas e códigos de comportamento fixos ou uma cultura estruturada por diretrizes flexíveis e complacentes. Os trabalhadores que toleram a ansiedade e valorizam a indulgência irão beneficiar de uma cultura que integre estas últimas.
- Normativo vs. Pragmático: para esta dimensão, os líderes podem analisar a extensão na qual os respetivos colaboradores têm uma orientação a longo prazo ou a curto prazo e se valorizam a modéstia ou a assertividade para determinar se beneficiariam de uma cultura normativa ou pragmática. Os trabalhadores que têm uma orientação a curto prazo, que se focam em resultados rápidos e que não toleram a mudança nem a negociação prosperam em ambientes normativos. Já os trabalhadores com uma orientação a longo prazo, que valorizam a adaptabilidade, a modéstia e a capacidade de alcançar compromissos crescem em ambientes pragmáticos.
Implementar as dimensões de Hofstede no local de trabalho
Os trabalhadores querem empregos que estejam alinhados com os respetivos valores pessoais ou que complementem os mesmos. Com as atuais crises económica, ambiental, social e política a testarem e a reforçarem as suas convicções, comprovaram que farão aquilo que for necessário para satisfazer este desejo. Aproximadamente 4,5 milhões de trabalhadores demitiram-se dos respetivos empregos durante a “Grande rescisão” de março de 2022, deixando claro que as organizações não estão a cumprir esta expetativa e necessitam de alterar a respetiva cultura no local de trabalho.9
Para tal, os líderes podem realizar entrevistas e inquéritos para avaliar os valores dos colaboradores, utilizando as dimensões da cultura nacional de Hofstede para formular perguntas e afirmações. Com um forte equilíbrio entre vida profissional e pessoal, maior estabilidade e segurança no emprego entre os principais valores dos trabalhadores atuais, os líderes têm de avaliar, particularmente, como é que os seus colaboradores respondem à incerteza, à restrição, a novos elementos e à competição. As perguntas com respostas “sim” ou “não” a considerar incluem: “A minha organização deve valorizar o meu bem-estar em detrimento do meu desempenho?” e “A minha organização deve promover os colaboradores existentes em vez de efetuar novas contratações?”. Também deve ser pedido aos colaboradores que respondam a afirmações como “Prefiro seguir regras rigorosas e inflexíveis no local de trabalho”, utilizando escalas de concordância (de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”), e “a minha organização é competitiva e orientada para os resultados”, utilizando escalas de importância (variando de 1, como o menos importante, a 5, como o mais importante). A avaliação dos valores dos colaboradores permitirá aos líderes determinar quais os aspetos das respetivas culturas no local de trabalho que têm de ser melhorados, utilizando as dimensões da cultura organizacional de Hofstede para os orientar ao longo do processo.
Cultivar uma cultura no local de trabalho que responda aos valores singulares dos respetivos membros é essencial para gerir a diversidade, promover o bem-estar dos colaboradores e assegurar o sucesso da organização. Compreender estas dimensões e implementar estas práticas não só ajudará os líderes a melhorarem as suas culturas atuais, como também os irá preparar para mudanças futuras no local de trabalho que exigirão mais alterações.